Pense no seguinte cenário: você está na sua casa à noite, de pijamas, com febre causada provavelmente por uma garganta inflamada. Então, você decide fazer uma consulta médica online, algo que tornou-se comum depois da pandemia.
O médico entende seu caso e dá o diagnóstico: amigdalite. Receita um antibiótico e um remédio para febre. A partir desse momento você tem que fazer uma escolha: pedir o remédio pelo aplicativo ou ir até a farmácia e buscar.
A segunda opção exige que você levante da cama, troque o pijama, tire o carro da garagem e vá até a farmácia mais próxima. Faz sentido? Qual benefício adicional você terá ao ir à farmácia, que justifique não pedir o remédio pelo aplicativo?
Num mundo onde a parte mais difícil - a consulta médica - foi feita de pijamas, não faz sentido ir até a farmácia buscar o remédio. E não faz justamente pelo fato de que não existe uma geração de valor adicional que justifique tudo isso.
Você sabia que o iFood já entrega cerca de R$ 120 milhões em produtos de farmácia todos os meses? E que, na maioria das vezes, o remédio chega na sua casa em no máximo meia hora? Essa é a questão central da equação.
Lá nos EUA, as maiores redes de farmácia estão fechando milhares de lojas. A CVS, que todo brasileiro adora visitar, fechou 500 e disse que, neste ano, vai fechar mais 1.200 unidades. Qual é o valor de ir até o balcão buscar o remédio?
Na China, você caminha por quilômetros e não vê uma farmácia sequer. Isso acontece porque as farmácias entenderam que não dá para concorrer com a velocidade e a “capilaridade” dos super aplicativos. Tudo chega em 15 minutos.
Isso não significa necessariamente que toda e qualquer farmácia ou negócio intermediário vai desaparecer. Significa que, se não houver uma geração de valor que justifique sua existência, aí sim elas correm risco de sumir do mapa.
Lembra das locadoras de vídeo? A partir do momento que o cliente pode escolher um filme on-line, deitado no sofá, não há nada que justifique uma saída no meio da tarde de domingo para vasculhar filmes nas prateleiras de uma loja.
Qualquer tipo de negócio que não entregue conveniência, personalização ou valor agregado claro, forçará o consumidor a migrar para uma solução mais prática. E isso é um movimento recorrente, basta olhar para o lado.
Esse mesmo fenômeno acontece com o mercadinho do bairro. A partir do momento em que o Rappi lançou o Rappi Turbo, não justifica mais correr até a rua debaixo e buscar o shampoo que acabou. Você pede e chega em até 10 minutos.
As relações de negócio, no mundo físico, precisam entregar uma experiência que justifique a ida do consumidor até a loja. É preciso entregar valor, fazer daquele momento muito mais do que uma relação de compra e venda.
Existe uma frase que diz: “paladar não regride". Depois que você experimenta algo muito bom, todo o resto até ali muda de significado. Se o remédio ou o shampoo aparece na minha porta como mágica, em 15 minutos, esse é o novo padrão.
Jeff Bezos, da Amazon, tem uma frase que eu adoro: “eu não sei o que vai mudar, mas tenho certeza sobre o que não muda: o cliente sempre vai querer conveniência, entrega rápida e preços baixos". É mais ou menos por aí.
Volte ao começo do texto e relembre a cena da amigdalite. Ir até a farmácia buscar o antibiótico seria uma experiência incrível, se o atendente nos desse um abraço, fizesse um carinho e desejasse melhoras. Coisas que o aplicativo não faz.
Mas o que sobra mesmo é: “CPF na nota"?