"Fingir até conseguir": Falta de Ética ou Ferramenta de Disrupção?
"Fake it till you make it". Poucas frases representam tão bem o espírito do Vale do Silício quanto essa. Por décadas, ela foi o mantra não oficial de fundadores que buscavam transformar ideias audaciosas em empresas reais — mesmo que, no início, a realidade ainda não existisse. E foi exatamente essa linha tênue entre visão ousada e fraude que gerou alguns dos maiores cases de sucesso… e os maiores escândalos do mundo tech.
Um dos exemplos mais emblemáticos é o da Theranos, fundada por Elizabeth Holmes. A promessa era revolucionar a medicina com um pequeno dispositivo capaz de realizar dezenas de exames com apenas uma gota de sangue. Investidores como Rupert Murdoch e o ex-secretário de Estado George Shultz apostaram bilhões. Mas a tecnologia nunca funcionou. Holmes fingiu até o fim, enganando clientes, parceiros e até o FDA. Resultado: foi condenada por fraude e cumpre pena de mais de 11 anos de prisão.
Por outro lado, Elon Musk é frequentemente citado como alguém que usou o "fake it till you make it" de forma quase teatral. Ele prometeu carros autônomos antes que a tecnologia estivesse pronta, lançou foguetes quando tudo ainda era protótipo, vendeu lança-chamas como ação de marketing — e, ainda assim, entregou valor real com empresas como Tesla e SpaceX. Em seu caso, a disrupção veio acompanhada da entrega, mesmo que com prazos esticados e exageros típicos do showman.
Outro caso interessante é o de Adam Neumann, fundador do WeWork. Neumann vendia a ideia de que sua empresa era uma tech revolucionária, quando, na prática, operava como uma imobiliária disfarçada. Sua narrativa levantou mais de US$ 10 bilhões em valuation e quase levou a empresa a um IPO bilionário — até que os números reais vieram à tona. O “fingimento” aqui custou empregos, reputações e bilhões de dólares em valor de mercado.
O ponto central é: fingir até conseguir pode ser uma alavanca de disrupção, desde que exista uma linha clara entre visão e mentira. Vender o futuro é papel do fundador. Mas manipular dados, esconder a verdade e criar uma ilusão deliberada transforma ambição em crime. A diferença entre inovação e fraude está no compromisso com a entrega.
No fim das contas, o mantra do Vale do Silício precisa ser ressignificado. Sonhar grande é fundamental — mas fingir sem limites tem custos altos. A nova geração de empreendedores está aprendendo que transparência é o novo hype. E que a ética pode (e deve) andar junto com a ambição.